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Estudo aponta aumento da mortalidade em indígenas em relação ao restante da população brasileira

Artigo recém-publicado por pesquisadores do grupo de pesquisa “Observatório de Doenças e Agravos Não Transmissíveis”, da Escola de Enfermagem da UFMG, constata que nos anos de 2000, 2010 e 2018 a mortalidade proporcional em indígenas foi mais elevada em relação ao restante da população brasileira, segundo idade, sexo, causa e regiões do País. Os resultados mostram que a proporção de óbitos em indígenas menores de 1 ano nestes três anos foi de 15,3%, 17,7% e 16,2%; e no restante do Brasil, foi de 7,2%, 3,5% e 2,7% respectivamente. A proporção de óbitos a partir de 50 anos nos indígenas nos mesmos anos foi de 47,0%, 48,1% e 52,0%; e no restante do Brasil, foi de 66,8%, 74,4% e 79,4%.

A estudante do curso de graduação em Enfermagem, Francielle Thalita Almeida Alves, primeira autora, sob coordenação da professora da Escola de Enfermagem da UFMG, Deborah Carvalho Malta, afirma que em 2018, indígenas menores de 1 ano morreram mais de afecções perinatais (39,4%), doenças infecciosas e parasitárias (10,1%) e causas externas (9,8%). Em menores de 1 ano do restante da população brasileira, essas causas corresponderam a 57,8%, 3,8% e 2,8%. Indígenas acima de 50 anos morreram mais por doenças circulatórias (28,6%), respiratórias (15,4%) e neoplasias (14,6%); e no restante da população brasileira, essas causas representaram 31,5%, 13,6% e 19,0%.

sonia guajajara brasilia 750x410Sônia Bone Guajajara, Coordenadora Executiva da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), durante o Acampamento Terra Livre 2019. Foto: APIB

“Este estudo evidenciou as persistentes desigualdades nas condições de vida dos povos indígenas, que se traduzem em piores condições de nascer, viver, adoecer e morrer. Observou-se a ocorrência da transição epidemiológica, demográfica e nutricional, bem como uma tripla carga de doença na população indígena, com predominância das Doenças Crônicas Não Transmissíveis (DCNT), concomitantemente às doenças infecciosas e parasitárias, somadas ao aumento das causas externas”, destaca Francielle.

A pesquisadora relata que apesar de a Política Nacional de Atenção à Saúde Indígena garantir o direito ao acesso à atenção integral à saúde aos povos indígenas, conforme os princípios do SUS, a descontinuidade do cuidado associada à carência e à rotatividade de profissionais, bem como a prevalência do cuidado centrado em práticas emergenciais baseada na remoção de pacientes, são gargalos emergentes para a integralidade do cuidado aos povos indígenas. “A necessidade de estabelecer diálogos interculturais que promovam a autoatenção e a articulação com saberes tradicionais, de forma a não oferecer apenas serviços na perspectiva curativa e biomédica, constitui-se um dos principais desafios para a efetividade da atenção à saúde indígena”.

Ainda de acordo com o estudo, em relação à mortalidade de acordo com o sexo, é evidente a diferença entre homens e mulheres indígenas no que diz respeito à faixa etária de óbito. Indivíduos do sexo masculino na faixa etária de 20 a 49 anos possuem maior proporção de mortalidade em comparação com as mulheres da mesma idade. O que, segundo a estudante, pode ser resultado de violências vivenciadas pelos homens indígenas, e maior frequência das causas externas.

Óbitos indígenas nas regiões do Brasil
A pesquisa constatou também que a mortalidade em menores de 1 ano de idade foi maior nas regiões Norte (2000: 24,5%; 2010: 25,4%; e 2018: 22,8%) e Centro-Oeste (2000: 25,2%; 2010: 16,5%; 2018: 14,3%). Entre 1 e 4 anos, também foi mais elevada nas regiões Norte (2000: 12,9%; 2010: 9,9%;2018: 7,3%) e Centro-Oeste (2000: 14,1%; 2010: 11,86%; 2018: 5,25%). De 5 a 19 anos, novamente destacou-se a região Centro-Oeste (2000: 8,9%; 2010: 10,2%; 2018: 8,6%). Na faixa etária dos 20 aos 49 anos, sobressai a região Sudeste com a proporção de 31,7% (2000) e acima de 20% (2010 e 2018). A mortalidade na faixa etária dos 50 anos ou mais evidencia-se na região Nordeste (68,58%) em 2000, Sudeste (acima de 70%) em 2010 e sendo o pior desempenho na região Norte (42%) em 2018.

A ausência de melhora dos indicadores da população indígena no período analisado indica, de acordo com a estudante, a persistência de problemas inadmissíveis e evitáveis, como elevada mortalidade em menores de 1 ano, mortes prematuras em adultos jovens e baixa proporção de óbitos em idosos. As políticas públicas devem garantir o direito à vida e à diversidade cultural, em busca de uma sociedade mais justa e diversa. Ademais, é urgente avançar na redução das desigualdades em saúde e, portanto, tornar efetivo o lema da Agenda 2030 dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável de não deixar ninguém para trás.

A orientadora, professora Deborah Malta, destaca as piores condições de vida e saúde da população indígena, a maior vulnerabilidade decorrente da exposição de suas vidas, agravada pelas disputas de terras, invasão pelos garimpeiros, madeireiros, pecuaristas em geral, agravado pela falta de proteção social e amparo do governo. “Torna-se urgente a proteção do Estado, em especial da garantia do acesso a saúde e a demarcação das terras indígenas”.

O trabalho, coordenado pela professora Deborah Malta, é assinado pelos graduandos em Enfermagem Francielle Thalita Almeida Alves, Elton Junio Sady Prates, Luis Henrique Prado Carneiro; pela aluna de doutorado em Enfermagem, Ana Carolina Micheletti Gomide Nogueira de Sá e pela professora da EEUFMG, Érica Dumont Pena.