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Estudo recruta pessoas com dificuldade de aprendizagem, atenção ou memória após infecção pelo coronavírus

Estudo MedicinaCerca de 25% dos participantes do estudo Manifestações e sequelas neuropsiquiátricas da covid-19: aspectos clínicos e moleculares da Faculdade de Medicina da UFMG, que tiveram a forma leve da infecção, apresentaram déficits cognitivos, principalmente em relação à capacidade visuoconstrutiva (orientação no espaço e capacidade de desenhar). Esses resultados prévios serão publicados em um artigo na Molecular Psychiatry – Grupo Nature e serviram como base para a nova etapa da pesquisa. Agora o objetivo é verificar se as pessoas vacinadas também apresentam esses déficits, já que quando o estudo se iniciou (agosto de 2020) haviam poucas pessoas imunizadas e alguns trabalhos científicos apontam a vacina como fator de proteção na recuperação da covid longa.

O coordenador do estudo e chefe do Departamento de Saúde Mental da Faculdade, professor Marco Romano-Silva, conta que também será avaliada a evolução dos sintomas cognitivos e uma possível relação com o tipo de vacina recebida, considerando que no Brasil foram ofertados imunizantes com diferentes princípios ativos. Outra questão, é que ainda não é conclusivo se a ômicron, a variante mais nova e responsável pela maioria dos casos atuais, causa mais sequelas cognitivas. Mas isso poderá ser verificado na comparação entre os novos participantes e os resultados de quem se contaminou com as variantes iniciais.

De acordo com o Marco Romano, a intenção é fazer o acompanhamento a partir das infecções mais recentes, para verificar quando aparecem os sintomas e se a vacina está tendo algum efeito nesse sentido. Por isso, podem participar pessoas que tiveram covid nos últimos seis meses, além de ter idade entre 18 e 60 anos e o teste RT PCR positivo. Não é necessário ter queixas de algum sintoma cognitivo após a infecção, ou seja, mesmo aqueles que não sentiram piora da memória ou concentração, por exemplo, podem participar. Inclusive é interessante para a pesquisa, pois permite ter um grupo controle para comparação dos achados.

Os interessados em participar do estudo devem entrar em contato com o número 31 99723-4160 pelo WhatsApp.

A equipe fará uma entrevista prévia e passará as demais orientações. O protocolo inclui exames clínicos e neuropsicológicos, com acompanhados por dois anos a partir da inclusão do participante e o recebimento do retorno sobre os testes realizados.

Jovens com alterações cognitivas comuns em idosos
O professor comenta que a ideia desse estudo era construir uma linha de base e acompanhar os pacientes para verificar o aparecimento de possíveis sequelas neuropsiquiátricas da covid-19 ao longo dos anos. Mas logo no início já foi possível constatar alterações cognitivas importantes, esperadas em pessoas mais idosas, com demência ou que tiveram traumas graves na cabeça, por exemplo. Um quarto dos cerca de 200 participantes, que tinham idade média de 38 anos, apresentaram déficits cognitivos nos primeiros meses após a infecção.

“Temos jovens com sintomas cognitivos importantes não esperados para essa idade. Isso, em nossa amostra, já em quatro a seis meses após a infecção pelo coronavírus. Agora temos que responder se as pessoas vacinadas também apresentam esse déficit, quem teve ômicron teve déficit e, se tiveram, como está sendo a evolução”

O coordenador explica que há um ciclo para o aparecimento desses sintomas e, por isso, é importante poder acompanhar o quanto antes a pessoa que teve a infecção. “Na maioria das vezes, quem teve a forma leve da doença se recupera em uma ou duas semanas. Há um hiato de aproximadamente um mês e aí começam a aparecer os sintomas de covid longa, como a falta de atenção e de foco, desatenção, queixas de memória”. Ele ainda acrescenta outra observação:

“A queixa de memória está maior do que antes. Mas ainda não é possível apontar a razão, se é porque a infecção desses pacientes foi observada mais cedo do que daqueles do início do estudo ou se esse sintoma depois evolui para um déficit cognitivo, por exemplo. É isso que temos visto de maneira preliminar, com as entrevistas com os pacientes que tiveram covid mesmo vacinados, assim como mais alteração da memória do que a alteração cognitiva visuoconstrutiva, a partir dos testes de desenho. Mas ainda é uma observação muito inicial”.

Os impactos
Segundo Marco Romano, a justificativa dos pacientes que tiveram covid mais grave não serem avaliados nesse estudo é que as consequências podem estar relacionadas ao quadro grave como hipóxia, por exemplo, sem estar relacionadas diretamente com a infecção pelo coronavírus.

Mas ele alerta que, assim como mostra sua pesquisa e outros trabalhos da literatura internacional, a manifestação leve da doença também tem efeitos relevantes. Inclusive a covid longa pode aparecer mesmo em assintomáticos.

“Mesmo sem os sintomas respiratórios, a infecção pode resultar em um quadro de covid longa, com manifestações não só no cérebro, mas em outros órgãos, como alterações cardíacas, por exemplo. E esse é um alerta. Talvez, se não tivéssemos a vacinação, esses quadros seriam até piores e mais frequentes, pois a vacina atenua os efeitos da infecção”, afirma Romano Silva.

Além disso, ele ressalta a preocupação com os jovens que, na maioria dos casos tiveram a infecção leve pelo coronavírus e estão apresentando manifestações neurológicas comuns para idades mais avançadas.
“Precisamos conhecer como é o mecanismo da ocorrência desses déficits para ser possível intervir. Essa intervenção pode variar muito, ser um tratamento medicamentoso ou com uso de neuromodulação, por exemplo. Por isso é importante pesquisas como essa em busca do entendimento de como ocorrem”, acrescenta Marco Romano. E ele também revela que o seguimento dos pacientes iniciais, daqui algumas semanas, será possível apontar se que quem teve covid há um ano apresentou melhoras nesse sentido e se o perfil imunológico mudou.
(Centro de Comunicação da Faculdade de Medicina da UFMG)