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Estudo analisa a construção do campo da enfermagem obstétrica em Minas Gerais

Uma pesquisa realizada pelo Programa de Pós-Graduação de Enfermagem da UFMG analisou a construção do campo da Enfermagem obstétrica em Minas Gerais. A tese, elaborada pela pesquisadora Rafaela Siqueira Costa Schreck, um estudo qualitativo e interpretativo, fundamentado na pesquisa histórica, revela que a articulação entre a Escola de Enfermagem da UFMG e o Hospital Sofia Feldman foi fundamental para a emergência do campo da enfermagem obstétrica mineira. Tal articulação, foi capaz de suscitar uma rede capilar de formação para a categoria, incluindo a participação na proposição de políticas nacionais para capacitação profissional. Além disso, a pesquisa revelou os jogos de interesse, os enfrentamentos e resistências entre a medicina e a enfermagem, no que diz respeito à disputa pelo espaço de atuação prática e defesa de um saber próprio.

O estudo foi baseado na abordagem Genealógica de Michel Foucault e critérios propostos por COnsolidated criteria for REporting Qualitative research (COREQ). O delineamento temporal abarca o período de 1957, ano em que foi ofertada a primeira especialização em enfermagem obstétrica, em Minas Gerais, pela Escola de Enfermagem Carlos Chagas, até o ano de 2011, com a instituição do Programa da Rede Cegonha.

Nesse contexto, destaca-se a importância da Escola de Enfermagem da UFMG, antiga Escola de Enfermagem Carlos Chagas, para construção e formação da área profissional em Minas Gerais, que possibilitou resultados e avanços para referências em todo o território nacional em ensino e atuação de enfermeiras obstétricas. “A formação, no cenário nacional, evoluiu de uma iniciativa periférica da Escola de Enfermagem Carlos Chagas (EECC) para a centralidade e capilaridade nacional”, afirma Rafaela.

Apesar disso, segundo a pesquisadora, a história é marcada por rupturas e continuidades no processo formativo de enfermeiras obstétricas.

Reprodução Hospital Sofia Feldman A pesquisa revelou a importância do Hospital Sofia Feldman como espaço de pratica para a formação do campo da enfermagem obstétrica mineira. Reprodução/Hospital Sofia Feldman

Rafaela relata que, em Minas Gerais, as primeiras iniciativas de especialização da formação de enfermeiras obstétricas aconteceram em 1957, marco inicial da formação dessas profissionais no estado, e 1966, com o curso promovido pela EECC, atual EEUFMG, alcançando alunos de Minas Gerais, Ceará, Bahia e São Paulo. Ela explica a possível motivação para a mobilização do primeiro curso de especialidade em enfermagem obstétrica na EEUFMG. “Um fluxo necessário para a emergência desse acontecimento foi a interlocução com os professores da cadeira de obstetrícia da Faculdade de Medicina da UFMG. As professoras enfermeiras eram responsáveis pelo conteúdo teórico e prático do curso e direcionavam as disciplinas da chamada parte básica, que eram ministradas por professores médicos”.

No entanto, a privação do espaço para atuação prática estabeleceu-se como uma estratégia para a limitação do ensino de enfermeiras obstétricas. “As entrevistadas citam o aumento do número de partos cirúrgicos, a falta de docentes e a restrição do campo de formação e atuação associado às disputas e à hegemonia da prática médica como fatores motivadores para a interrupção da qualificação das enfermeiras, em Minas Gerais. Os interesses da classe médica de dominação do campo obstétrico e as relações de disputa levaram à restrição da atuação da enfermagem, com impactos na interrupção da formação profissional”, explicou Rafaela.

A próxima oferta de um curso de especialização em enfermagem obstétrica, em Minas Gerais, aconteceu em 1999, a partir da articulação das instituições: EEUFMG e Hospital Sofia Feldman (HSF). A proposta desta especialização surge diante das necessidades de atender às regulamentações legais e à qualificação da mão de obra para a prática de enfermeiras na assistência ao parto no estado. Para isso, houve o acordo entre ensino e prática com o corpo docente da EEUFMG, professoras doutoras, mestres e especialistas em obstetrícia e o campo de prática do HSF.

Assim, no contexto mineiro, iniciou-se uma nova ordem na trajetória histórica dessa categoria, com a possibilidade de formação e atuação prática. Desde então, o estado de Minas Gerais, no processo formativo de enfermeiras obstétricas, evoluiu da iniciativa institucional da EECC para uma ascensão no contexto nacional, ficando entre os principais estados do país com o maior número de cursos de especialização e residência.

Visibilidade e reconhecimento
A pesquisadora relata que foi por meio dessa colaboração, que a especialização de enfermeiras obstétricas em Minas Gerais se intensificou e, em 1999, o Curso de Especialização em Enfermagem Obstétrica foi organizado, tornando-se marco da formação de profissionais de enfermagem obstétrica em Minas Gerais, após 33 anos. “Para a prática do cuidado, o profissional de enfermagem necessita, durante a sua formação, de um aprendizado que aproxime a teoria da prática, desenvolvendo um fazer consubstanciado pelo saber. O saber-fazer constitui-se uma ferramenta para a enfermagem, pautado em habilidades e conhecimentos próprios no exercício do cuidado”, relatou.

De todo modo, depois dos anos 2000, mesmo com a evolução da realidade de trabalho e reconhecimento da especialização em questão, os profissionais formados em Enfermagem Obstétrica ainda enfrentam debates sobre a resistência à uma “hegemonia médica na defesa pela autonomia profissional e pela expressão de um saber próprio, socialmente dominado e sujeitado”.

Nesse contexto, percebe-se que o campo da enfermagem obstétrica emerge com a equação das forças de ensino, da EEUFMG, e de prática, do HSF. “Para essa emergência, houve a proliferação das condições de possibilidade (proveniências) da existência de enfermeiras docentes capacitadas para a formação e do espaço de prática para atuação das enfermeiras na assistência ao parto, com a influência de marcos políticos. A partir desses acontecimentos, jogos de interesses e teia de relações, há uma conformação do campo da enfermagem obstétrica mineira, com a aparição de um discurso transformador que instituiu a disponibilidade de um campo de prática, trazendo a materialidade da formação profissional com o curso de especialização em 1999”.

A pesquisadora ainda apresenta, a partir dos dados da tese, a construção imagética de um rizoma, que trata dos acontecimentos, sujeitos, dispositivos e instituições envolvidos na trajetória genealógica da enfermagem obstétrica mineira.


Rizoma“O rizoma compõem uma trama histórica e a “malha” das relações de poder, com agenciamentos, equações de forças e movimentos para a conformação desse campo profissional”, ressalta Rafaela.

Raio X da pesquisa
Título: A construção do campo de Enfermagem Obstétrica em Minas Gerais:um estudo genealógico
Autora: Rafaela Siqueira Costa Schreck
Orientadora: Professora Kênia Lara da Silva
Programa de Pós-Graduação em Enfermagem